sexta-feira, 24 de julho de 2015

Frios debates de inverno



Cada obra de Aly Muritiba é como uma geada de julho em Curitiba. Elas te atingem sem aviso prévio, te fazendo parar tudo que está fazendo para observá-las e tentar absolvê-las sem tomar um choque de realidade no seu subconsciente.

Por Camile Kogus

Num primeiro momento, o Sénic azul escuro parece mais objeto para auxiliar nas gravações do longa “O Homem que Matou Minha Amada Morta” de mais uma produção do cineasta Aly Muritba. No entanto, poucos sabem que o automóvel simboliza, de modo subjetivo, a trajetória do profissional desde o início da sua carreira até aqui. O carro - que a princípio deveria ser preto para as gravações, mas sem outra alternativa foi usado mesmo sendo azul - demonstra as mudanças e adaptações que ocorreram na vida e carreira de Aly até ele alcançar o cargo de um dos nomes mais importantes do cinema curitibano. 

Nascido na cidade de Mairi, interior da Bahia, em 20 de fevereiro de 1979, o cineasta veio parar em Curitiba com a intenção de cursar Comunicação e Cultura pela UTFPR e Cinema e TV na Faculdade de Artes do Paraná. Desde o início de sua carreira, ele produziu dezenas de obras - entre elas curtas e longas, ficções e não ficções – que parecem se entrelaçar com os fases de questionamentos levantados por Aly.

Faça um teste de sensibilidade. Veja o curta “Convergências” (2008) e tente não se deixar levar pelos questionamentos internos do seu cérebro. O debate sobre o vazio existencial e a monotonia da vida cotidiana fica tão evidente nas cenas entre o casal que busca o prazer, mesmo que passageiro, que parece que estamos sentados junto a Aly em uma mesa do conhecido Bar do Alemão, filosofando sobre as dúvidas e crises que nos atingem e nos atordoam como as correntes de vento gélidas típicas do inverno curitibano. Caso isso não baste, te aconselho então a conferir apenas alguns minutos do curta Pátio (2013), e ver, através dos olhos de Muritiba, uma realidade que grande parte da população não conhece, e ter as mesma sensações que ele teve ao gravar a obra.

A vida do cineasta é marcada pelas mais diversas experiências, e como elas interferiram na sua carreira. Os sete anos que trabalhou como agente penitenciário lhe proporcionaram não apenas uma visão do sistema de “dentro para fora”, mas também uma vontade de revelar o outras produções não mostravam sobre o tema. Dessa quase uma década servindo ao Estado e a Justiça, nasceu a Trilogia Cárcere, a qual é composta pelos filmes “A Fábrica”, “Pátio” e “A gente”. A série revela três lados de uma questão que Aly conviveu por anos, o Sistema Carcerário Brasileiro. 

Na trajetória do cineasta, várias pessoas acompanharam e ajudaram nas produções. É o caso do produtor cinematográfico William Biagioli, que já esteve ao lado de Muritiba em dois longas, quatro curtas e quatro Festivais Olhar de Cinema, e que considera sua trajetória ao lado dele de valor inestimável “Não é só apenas uma questão de aprendizado, mas também de confiança que se estabeleceu mutuamente ao longo desses quatro anos. Eu era um profissional completamente diferente há quatro anos. Hoje, mais maduro, vejo que todas estas oportunidades me fizeram crescer como profissional e ser humano”. A última experiência, de certa forma “louca” de William junto a Aly foi o desafio de conseguir uma grua fora do orçamento do “O Homem que Matou Minha Amada Morta” e que era necessária para gravar um plano sequência. “Não só eu tive que conseguir convencer a locadora a emprestar a grua, como carreguei ela na van de equipamentos até o set e ficamos um dia inteiro ensaiando a cena que está no filme”.

Talvez seja por isso, essa mistura entre anseios e questionamentos pessoais com discussões universais, que há tantas semelhanças entre ver as obras de Aly, e tomar um café com o cineasta. Os debates levantados em ambos os casos, como já comparados nesses breve perfil, são fortes e nos atingem em cheio. E assim como o rigoroso inverno curitibano, por mais que você se prepare, afim de evitar o congelamento instantâneo, as dúvidas e questionamentos lhe atingem o subconsciente pelas brechas que os pensamentos do dia-a-dia deixam.

O que fazemos com as nossas desgraças


Por Julmara Mendes
Foto: divulgação

No quarto, apenas o som de um teclado de computador e um jovem a digitar nervosamente. Sem qualquer outro aparato de produção, além do pc com conexão à internet e um programa de edição, Arthur Tuoto se dedica à criação de mais um filme. Com um estilo próprio, ele se recusa a seguir um orçamento, formar uma equipe, trabalhar com planilha ou CNPJ. Com apenas 29 anos, Arthur Vicentini Tuoto é artista visual e professor. Mas, além disso é cineasta, com formação técnica na AIC (Academia Internacional de Cinema). Tuoto considera que este é o filme que melhor define o seu trabalho conforme a entrevista publicada no catálogo da Mostra de Tiradentes, na época em que o seu longa estreou naquele local.

O novo filme se chama "Aquilo que fazemos com as nossas desgraças" e o título foi inspirado numa frase da poeta Alejandra Pizarnik que, segundo ele, retrata bem o que é fazer cinema no Brasil: "Foi necessário o computador e uma mediateca infinita no ambiente online à minha disposição, à disposição de qualquer um. O Paraná não lança um edital de cultura voltado ao audiovisual há mais de um ano." Tuoto acha que, de certa forma, esse processo e o próprio título do filme é uma resposta a isso.

Na entrevista, ele resume como produz os seus filmes, especialmente sobre como se serve de imagens e sobre a questão ambígua de autoria que os seus filmes questionam. “O meu processo é sempre o mesmo: a apropriação. A estratégia na abordagem dessa apropriação talvez seja determinada em alguma medida pelo material disponível, por aquilo que eu vou me deparando ao longo do caminho. A essência desse processo reside justamente nesse equilíbrio entre aquilo que eu quero mostrar e o potencial que o material que eu encontro me oferece. É nessa manipulação, nessa negociação, nessa manutenção de certos significados possíveis que o filme acontece".

Quando pergunto se acredita em Deus, ele me responde que não acredita no conceito de Deus, embora tenha uma espiritualidade independente de qualquer religião. Solteiro, não sabe responder se quer ter filhos ou não. Pelo jeito é um apaixonado pelo que faz, pois deseja continuar buscando atingir novas possibilidades na linguagem audiovisual, trabalho esse que já lhe permitiu conhecer países como Portugal, França e Argentina.

Muito simpático e atencioso, Tuoto me recomenda ler um dos textos do seu site, no qual ele conta à uma amiga, de uma de forma divertida, como conheceu a namorada pela internet, por meio de um chat. A amiga é Paula Borghi que acha natural ele ter se encantado pela moça analisando os seus vídeos, embora ele diga nunca ter pensado a respeito.

Num texto bem informal, ele confessa à amiga que roubava internet do vizinho e, na conversa vai respondendo de forma filosófica: "Na verdade eu nunca tinha pensando muito nisso, mas de fato a nossa relação se iniciou ‘virtualmente’, ou ‘digitalmente’, seja por imagem/chat, seja por telefone/skype, etc. E é claro que no mundo digital esse processo de encantamento é sempre muito forte, justamente porque existe toda uma idealização do outro (caso que faz com que vários casais se encontrem na net talvez). E logo depois do primeiro encontro, quando existe a realidade, esse encantamento até aumenta, na espera do próximo encontro e consequentemente na alimentação desse ‘ideal’”.

No texto - que foi catalogado na exposição Ateliê Aberto #3, Casa Tomada, em São Paulo - Paula se refere a um livro “Invenção de Morel” do Adolfo Bioy Casares no qual o narrador está em um ambiente imersivo e busca tanto por ficar invisível que começa a ver coisas que antes era invisível a ele e que este "começar a ver coisas” pode também ser um estado de loucura. Como amiga, ela deve saber o porquê da comparação.

Na crítica do Estadão sobre os filmes apresentados na quinta à noite (um filme do Paraná e outro da Paraíba), observa-se que "'Aquilo Que Fazemos Com Nossas Desgraças' apropria-se de um áudio de Jean-Luc Godard e Anne-Marie Miéville, ao qual Tuoto superpõe imagens que não colheu, mas que transforma em suas”. Juliano Gomes, um dos críticos convidados, chamou a atenção para o fato de o filme iniciar sem os créditos, embora no final conste o nome do autor. 

Tuoto admite que sua assinatura contradiz o conceito, mas afirma que é justamente isso o que o fascina. E não há dúvidas de que realmente é fascinante podermos criar algo novo usando o recurso da apropriação de obras, textos, imagens de outras pessoas.

Realidade e ficção


Fernando Severo deu seus primeiros passos na carreira influenciado pela mãe

Por Marcio Sakyo Poffo Taniguti


O relógio marcava 11h50. Pela porta da sala, era possível ver vários alunos passando no corredor. Pontualmente ao meio dia, o cineasta entra na sala em que estávamos. Um homem grisalho, estatura média, vestindo uma calça bege, uma camisa de malha verde clara por baixo de uma camiseta aberta na cor marrom e sapatos pretos. Carregava na mão esquerda duas caixas de DVDs, as quais colocou sobre a mesa. Puxou uma cadeira e sentou. Estava diante de mim o professor, cineasta e diretor do Museu de Imagem e Som do Paraná, Fernando Severo. 

Caçador ele não é, mas nasceu “numa cidadezinha do interior chamada Caçador, em Santa Catarina”. Veio para Curitiba estudar Engenharia Civil. “Eu até tentei fazer o curso, mas resolvi abandonar e optei por Publicidade e Propaganda”.

A Cinemateca influenciou bastante Fernando. Ainda durante a faculdade de Engenharia, o cineasta já frequentava diversos cursos livres, inclusive um curso prático de cinema Super 8, que “era uma bitola que existia na época, mais simples, de custos mais baixo”. Foi assim que viu o cinema na prática, passou a gostar ainda mais e resolveu seguir a carreira de cineasta. 

Dona Diva, a mãe, o influenciou no lado intelectual. Diva frequentemente ia ao cinema e Fernando sempre a acompanhava. Foi assim que ele começou a dar os primeiros passos para se tornar um cinéfilo. 

Dedicado. É assim que a amiga Renildes Carli que trabalha no Museu da Imagem e do Som, o define. “Ele é um amor de pessoa, de um coração enorme! Ele presta muita atenção no ser humano”.

“Corpos Celestes” é um filme do qual podemos extrair algumas informações sobre o próprio Fernando. “Tive interesse de leigo em astronomia e senti que as histórias davam margem a abordar vários temas que me são caros, ligados a questionamentos existenciais, incluindo elementos da vida interiorana paranaense, muito presentes na maior parte da minha infância”.

“O Mundo Perdido de Kozák” foi um de seus primeiros filmes. “Este ganhou 17 prêmios, inclusive o Festival de Gramado”. Nos anos 80 e 90 ele produziu “Os Desertos Dias”, além de dois filmes da série Panorama Histórico Brasileiro, do Instituto Itaú Cultural de São Paulo, entre outros. 

Filme marcante para o cineasta foi “Os visionários”. Seus olhos chegam a brilhar mais quando fala do filme. “Foi trabalhoso, viajei durante vários dias pelo interior”. O problema principal era gravar as cenas externas, pois sempre estavam sujeitas às condições climáticas. Fernando demonstra querer dar um sorriso e completa dizendo que “foi um trabalho harmonioso da equipe foi prazeroso fazer”

O mais trabalhoso “com certeza foi ‘Corpos Celestes’”. Filmado em seis semanas a fio, com várias locações diferentes, muitos equipamentos, a equipe grande e vários efeitos especiais. “Todo o filme tem o seu grau de dificuldade, uns mais, outros menos”, diz Fernando . 

Fernando é um cineasta simples, com uma fala suave, extremamente calmo. Atrás dos óculos um olhar sério. Fechado, difícil tirar um sorriso deste homem. Apesar da sobriedade, uma coisa é de se notar: falando da família, principalmente da mãe, sua fisionomia muda, se alegra.

O defeito, para a amiga Renildes, “é ser extremamente teimoso e um pouco ansioso para tratar de certas coisas”, além de ser um “cinéfilo exigente e rigoroso, especialmente na apreciação de trabalhos de colegas curta-metragistas”.

Um documentário é o atual trabalho de Fernando nos próximos meses. “Estou terminando um documentário sobre o Professor Newton da Costa, que é filósofo brasileiro e tem uma carreira internacional”. Fernando adiantou que o lançamento é para o final de julho. 

Inspiração não é uma coisa única, “mas a minha vida me leva a me interessar por certos temas e esses temas, quando possível, viram filmes”. Uma peça de teatro, uma notícia de jornal, uma conversa com alguém ou um outro filme que o impactou, sempre levam a algum tipo de inspiração em seu trabalho.

Do vôlei ao cinema com Wellington Sari

Por Jéssica Dombrowski Netto

Foto Bruna Dal Vesco


Em 2008 eu entrei para a faculdade de cinema da FAP. Um dia ele estava fazendo seu primeiro curta universitário e eu estava na sala de edição. Me lembro ter feito alguns comentários sobre a produção dele. Acho que foi aí que começamos a conversar e há cinco anos trabalho com ele aqui na O Quadro. 

Assim começou a conversa em um final de tarde na produtora de cinema em que Anderson Simão trabalha. Ao subir as escadas, o que mais se vê pelas paredes são quadros de filmes de todas as épocas. Acho que é daí que veio o nome da empresa. Dois sofás laranjas confortáveis em uma sala com a vista para a rua e o céu escurecendo. Além de amigos, os dois parceiros trocam conselhos e experiências de vida, já que os gostos são meio parecidos.

A conversa se estendeu…

Aqui na produtora ele dirige e escreve mais do que eu. Eu sou mais prático e ele é o mais pensante. É como se eu fosse o Paul Mccartney e ele o John Lennon. Isso é outra coisa que você vai notar. Ele adora fazer analogias. Ele também é bem teimoso, a gente sempre discute. 

O dito popular perde o amigo, mas não perde a piada se encaixa na personalidade dele. Faz as pessoas rirem em qualquer situação.

Após perder o contato com o seu pai e fazer terapia por dez anos, Wellington Sari, que desmentiu esta primeira frase, leva a vida com um diploma de Jornalismo pelo UniBrasil e outro de Cinema pela FAP e atualmente é produtor, escritor e ator. Antes de entrar na faculdade em 2006, era jogador de vôlei. 

Resgatou a vontade de ganhar nas competições de kart que realiza com a galera da produtora e agregados. A competitividade de Wellington o permite jogar sujo para alcançar a linha de chegada. 

Na última corrida a gente tava sempre em terceiro e quarto e na última curva pra chegar na reta ele bateu em mim pra me tirar da pista. 

Wellington sabia que o seu amigo ia contar essa história da corrida. “Talvez é isso que me define. Alguém que tira todos do caminho para ultrapassar”, disse o cara que brinca de ser criança toda vez que está pilotando. É um corredor. Assim como fazia quando era mais jovem e se imaginava um cineasta. Diz saber quem é, mesmo sem querer.

Ao abrir a porta de sua casa, o que chama a atenção é uma estante lotada de objetos de ficção científica. Além do boneco ET em cima da mesa redonda da sala. Sua autoanálise sobre tais objetos é que ele seria uma criança que não se desenvolve ou um alienígena no seu próprio espaço.

Os produtos foram comprados graças a uma de suas obsessões momentâneas, como a vez que se viciou na história da guerra do Vietnã por algumas semanas. Ou durante as Olimpíadas de inverno e verão quando passa a semana inteira em casa assistindo do início ao fim.

Gosto bastante de ficar em casa. Quanto mais velho eu fico, mais eu sou caseiro. Se eu vou em algum lugar ouvir música, eu acho tudo ruim, então eu fico ouvindo as minhas músicas e pirando sozinho, com a galera ou com a namorada.

Música e cinema. Era disso que Wellington tratava na faculdade. O seu filme favorito naquele momento era Um tiro na noite, de 1981. Dez minutos depois a preferência mudou. O diretor deste filme, Brian de Palma, faz parte do seu porto seguro, junto com John Hughes, Eric Rohmer e Hitchcock. Mas a verdade é que seu cineasta predileto é ele mesmo.

Tenho acompanhado a minha carreira com cada vez mais interesse.

E é claro, desmentiu a frase logo após dizê-la. 

Com muita brincadeira é contada um pouco da vida de Wellington Sari, em uma semana de junho ao som de The Jesus and Mary Chain no disco de vinil que foi tocado em seu sobrado.

Onde tenha gente


Para Eduardo Baggio, cineasta, basta ter apenas uma pessoa para se ter um documentário. Da pelada à própria infância, por uma hora ou um minuto, o humano é história.

Por Natalia Bruckner
Existem três versões da etimologia da palavra “pelada” para designar o jogo de futebol amador repleto de frangos, furadas, bolas murchas e cheias. A primeira defende que a palavra “pelada” vem de pé, essencialmente do amadorismo do jogo juvenil, onde se mete os pés descalços na bola durante um jogo sem regras, sem uniforme ou sem árbitro. A segunda hipótese é que vem de “pelar’, pois antigamente as bolas utilizadas eram de borracha e causavam assaduras nos pés. A última possibilidade vem da condição dos campos onde se jogava, com pouca terra, quase pelados. É na pelada que todos se tornam iguais. Terno e gravata, calças jeans e chinelo, roupas sujas de tinta e cimento são trocadas pelo uniforme, ou coletes que classificam os jogadores pelos time. 

É no meio desse universo que Eduardo Baggio fez nascer em 2009 “Amadores do Futebol”. Era na frente do estádio Erondi Silvério, conhecido como “Vasquinho”, localizado no bairro do Pilarzinho em Curitiba, que Baggio percebeu o verdadeiro significado do futebol, não como um jogo, com sua arbitragem ou os polpudos investimentos que giram ao seu redor, mas pela capacidade de reunir pessoas de todos os tipos e classes em torno de uma causa que não é econômica, profissional ou religiosa.

Nunca havia visto Eduardo antes, a não ser por foto quando o adicionei no Facebook logo depois de marcar a entrevista, por telefone. Recebi a única informação sobre ele alguns dias antes enquanto conversava com Paulo Biscaia Filho, amigo e também cineasta. “São dois metros e sete de altura. Ele tem isso mesmo. Dois e sete. Mas é só tamanho. Ele é super zen”.

Cineasta e professor no cinema na Faculdade de Artes do Paraná, Eduardo Baggio sempre teve fama de tranquilo. Quando menino alternava as boas notas com as bagunças no fundão, lugar da sala onde pertencia. Ouvia bandas de metal no Hangar e frequentava o Korova. “Só briguei com a polícia do estado”, disse, referindo-se ao “Massacre do dia 29”, no qual vários professores foram cruelmente reprimidos durante uma manifestação que reivindicava ajuste salariais aos professores do estado, criticando a gestão de Beto Richa no governo do Paraná. A Avenida Cândido de Abreu, em frente ao Palácio do Governo, foi no dia 29 de abril de 2015 o palco da única briga na qual ele havia se envolvido na vida. 

A entrada dele no universo do cinema se deu tarde, quando estudou Jornalismo na Universidade Federal do Paraná entre os anos 1995 e 1999. Foi na faculdade, vendo o lado jornalístico do cinema através dos documentários, que se envolveu com a área e passou a realizar trabalhos experimentais. “Não sou aquele caso de pessoa que sabe o que fazer desde pequeno, desde os seis, sete anos. Tive que me enfiar para achar”.

Assim como a pelada une pessoas de diversas cores, credos e classes sociais em torno da bola, a arquitetura guarda a história e para as lembranças contidas em cada canto da cidade. “Arquitetura é a única forma de arte que você não pode negar mesmo que queira”. Ao parafrasear a frase de Décio Pignatari, de quem foi aluno, Eduardo consegue explicar que a arquitetura representa a necessidade básica humana exposta de todas as formas. “Não é preciso ir ao museu ou a uma galeria de arte para conhecer arquitetura. Ela está aí para você morar, se proteger do frio”. E assim, em 2010, surgiu “Traço Concreto”, um documentário que retrata as fases arquitetônicas de três casas em Curitiba. Falando de casas, Eduardo volta a sua fixação pela humanidade cotidiana ao retratar as casas como protagonistas que nascem, crescem e morrem. 

Entre as obras de Eduardo que Paulo Biscaia Filho mais admira, está “28 anos”, um curta com um minuto de duração produzido em 2003 para o Festival do Minuto. Uma relação em fotografias e diálogos entre pai e filho que mostra as tênues nuances de semelhanças e diferenças entre Eduardo e Joacir Baggio em várias fases das vidas dos meninos e homens. “Um trabalho que expõe o artista de uma forma singela. Bastante comprometimento despido de narcisismo”, segundo Paulo. O nome “28 Anos” vem da diferença de idade entre Eduardo e o pai. 

Nos levantamos do banco frio de concreto do Mon. Agora ele está de viagem em Lisboa, cidade que, pelo mar, pelas pessoas que moram nela e pela agitação cultural, ele disse ser uma de suas cidades favoritas.

quarta-feira, 8 de julho de 2015

Uncertain Terms discute incertezas da vida adulta


Filme foi exibido no Festival Internacional Olhar de Cinema com a presença do diretor Nathan Silver

Por Victória Brunna

Na programação do 4º Festival Internacional Olhar de Cinema, o filme Uncertain Terms (Termos Incertos, em tradução literal) exibiu um pouco do talento do diretor Nathan Silver. Vi o filme às 15h45, numa sessão do dia 15 de junho com a presença do cineasta, formado na Tisch School of The Arts.

A produção é classificada como ficção e tem duração de 1h32. O filme conta a história de um abrigo de meninas grávidas adolescentes pago pelos pais até o bebê nascer. A trama tem como foco a vida de Nina e Robbie. O elenco principal tem India Menuez (Nina), David Dahlbom (Robbie), Caitlin Mehner, Cindy Silver, Tallie Medel e Hannah Gross.


Esse lar foi criado pela tia de Robbie, onde ela também mora. O jovem ajuda a manter a casa em ordem, principalmente com reparos estruturais. Ele aceitou ajudar, após entrar em crise no casamento, pois sua mulher o traiu. Com isso, se tornou o único homem da casa, despertando atenção das meninas. 

Nina, por sua vez, é uma garota ruiva, diferente e madura para sua idade. Ela se aproxima do rapaz, com quem divide pensamentos e sonhos. A adolescente namora com um delinquente, que ainda não compreendeu o peso da paternidade. O enredo segue nesse triangulo amoroso. Robbie e Nina se aproximam cada vez mais, enquanto se afastam de seus antigos relacionamentos. 

Termos Incertos retrata a vida de personagens com incertezas. O fim aberto revela isso ao espectador. Assim como situações da rotina das pessoas. Robbie, após uma traição busca o termo certo, um novo rumo na vida. Aos 30, anos o personagem encontra em uma menina com 18 anos a vontade de recomeçar, de aceitar seu filho e tratá-lo como pai. Já Nina, ingênua e ansiosa com a gravidez, está carente para ter alguém para contar e viver esse momento contagiante. É emocionante. 

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Retrospectiva exibe grandes clássicos de Jacques Tati

Cena de "Playtime - Tempo de Diversão". Foto: Reprodução.
Aclamado cineasta francês Jacques Tati foi tema de uma retrospectiva especial no 4° Olhar de Cinema, que ocorreu entre 10 e 18 de junho de 2015 em Curitiba

Por Alexandre Grecco

A mostra "Olhar Retrospectivo: Jacques Tati" apresentou ao público curitibano nada menos que oito obras, 6 longas e 2 curtas, do mestre francês da comédia Jacques Tati. Dentre as obras estavam "As Férias do Senhor Hulot" (França, 1953), "PlayTime – Tempo de Diversão" (França, 1967) e "As Aventuras do Sr. Hulot no Tráfego Louco" (França, 1971).

Em "As Férias do Senhor Hulot", o diretor mostra história do cômico e atrapalhado Hulot, que resolve passar suas férias em um resort no litoral da costa do Atlântico. Logo que chega é notado por todos por seu carro barulhento e seu jeito atrapalhado e inocente, bem diferente dos demais turistas.

Entre confusões e trapalhadas, o hóspede acaba dividindo opiniões dos outros turistas hospedados no resort. Dentre os poucos que gostam do seu jeito peculiar, está uma bela moça, que se impressiona e até o ajuda em suas trapalhadas.

Orlando Galviz.
"Eu já vi [filmes de Tati] várias vezes em minha juventude. Quando existem reprises como essas, sempre venho. Gosto dos filmes dele, pois são clássicos", diz o aposentador Orlando Galviz, de 73 anos. Ele saía da exibição de "As Férias do Senhor Hulot", um dos seus favoritos, quando foi abordado por nossa reportagem.

No filme, há muitas questões vigentes até hoje. A ponto de qualquer pessoa conseguir identificar as críticas sociais do cineasta. Um dos pontos abordados pelo diretor é a capacidade de captar a debilidade da natureza do ser humano, independente da idade. Até as crianças, ao portarem uma lupa, podem ser cruéis. Uma delas chega a queimar uma barraca.  Em tempos de debate sobre a redução da maioridade penal, podemo efetivamente discutir o quanto isso é um ato criminoso e o quanto isso parte da inocência de um jovem. 

"Jacques Tati é genial. Ele consegue pintar realidades existenciais, apresentando em cada cena o comportamento e as reações do ser humano. Para mim, o diretor é daquelas genialidades que não vão morrer nunca", avalia Galviz. 

Em "PlayTime – Tempo de Diversão",  o Sr. Hulot se depara com outra aventura. Dessa vez, são os turistas americanos que fazem bagunça e causam confusão. 

Kauan Lunardon.
Em "Aventuras do Sr. Hulot no Tráfego Louco", o personagem trabalha como funcionário de uma empresa automobilística. Ele deve transportar o protótipo de um novo carro para uma Exposição Automobilística Mundial, que ocorre em Amsterdã. Durante o trajeto, muitas coisas ocorrem. O caminhão quebra, há problemas de documentação e perseguições policiais. 

O estudante universitário Kauan Lunardon, 18 anos, conhecia pouco da obra de Tati e adorou o que viu na mostra paralela do diretor no Olhar de Cinema. "Gostei muito porque ele é muito diferente dos filmes comerciais temos hoje. O cineasta explora a imagem e o humor de um jeito único. Isso foi o que mais marcou."

Antes de serem exibidos, os filmes tiveram uma excelente recuperação, que permitiram uma imagem incrível, considerando que alguns dos títulos tinham mais de 60 anos. As obras apresentaram uma forma de humor que parecem ter inspirado o personagem Mister Bean, de Rowan Atkinson. O tratamento das cenas, porém, é mais refinado. Tudo é muito simples, quase evitando ser engraçado. 

Na plateia, as gargalhadas vinham de todas as idades. Isso mostra que uma boa comédia não tem idade e nem precisa ser forçada. As obras de Jacques Tati mostram que a genialidade não depende de coisas grandes e podem ser encontradas em qualquer lugar.

Documentário mostra dilema de criador ilegal de animais silvestres em Nova Yor

Cena de "Ming of Harlem: Twenty one Storeys in the Air". Foto: Reprodução.
"Ming of Harlem: Twenty one Storeys in the Air" acompanha caso real de homem que perde tigre e acaba preso por manter cativeiro ilegal

Por Patrick Ribeiro

O documentário "Ming of Harlem: Twenty one Storeys in the Air" foi um dos destaques da mostra Novos Olhares. Dirigido por Phillip Warnell, a produção foi exibida pela primeira vez no Festival Olhar de Cinema no dia 13 de junho. 

A obra acompanhar Ming, um tigre criado desde filhote em cárcere doméstico por Antoine Yates no vigésimo primeiro andar de um prédio no Harlem. No mesmo apartamento vive Al, um crocodilo. Um dia Ming foge, as autoridades americanas descobrem os animais escondidos e Yates acaba preso. 

O filme apresenta duas perspectivas distintas a partir do fato. Em uma, Antoine é o protagonista. Na outra, há um narrador onisciente. Angustiado e nostálgico, o criador revela como era seu cotidiano com os animais e sua relação afetiva com eles. Para a câmera, ele fala sobre o medo de estar próximo de seres dóceis, mas naturalmente predadores. 

A narração onisciente mostra a imponência natural dos animais e a dualidade entre criador e criatura. Há também um jogo de imagens. Às vezes, aparece uma criança solitária fazendo alusão ao Tigre. Em outros momentos, o ambiente cinematográfico faz alusão a uma floresta, como se estivesse vendo a partir dos olhos do Tigre ou do Crocodilo.

Grande parte das cenas não tem diálogos. Apenas imagens da vivência dos animais, que enfatizam a extrema solidão. Trata-se de um ambiente opressor, com grandes portas de ferros e poucas janelas. Essa claustrofobia contradiz o lado de fora do prédio, que mostram a inquietante e grandiosa Nova York.

Existe uma complexidade no discurso do filme. Se, por um lado, os animais estão presos e fora de seu habitat natural, Antoine consegue estabelecer uma relação amorosa bem forte com eles. Quando são retirados dele, o espectador sente como se ele tivesse sido desmembrado. 

domingo, 5 de julho de 2015

"Soft in the Head" tem realismo bem-humorado

Cena de "Soft in the Head", de Nathan Silver. Foto: Reprodução. 
Filme de Nathan Silver mescla o cômico e o trágico em trama inesperada sobre confusões em um jantar

Por Patrick Ribeiro



No dia 16 de junho, Nathan Silver esteva na quarta edição do Festival Olhar de Cinema para debater sobre seu filme "Soft in the Head". Na ocasião, o cineasta falou sobre os bastidores da obra, suas inspirações e as estratégias que usou para construir a história. 

No começo de sua fala, o diretor disse que todos os personagens de sua obra são idiotas e foram inspirados em alguém que conhece. Além das experiências pessoais, ele também se inspirou no livro "The Idiot", de Dostoievski, para escrever a trama. As filmagens ocorreram em seu apartamento com muitas cenas de improviso.

A narrativa é sempre inesperada na obra de Silver. Diferentemente dos desfechos de filmes habituais, "Soft in the Head" mostra circunstâncias familiares ao público. Os tais personagens "cabeças ocas" lidam com esses momentos de forma diferente do que geralmente é visto nas ficções cinematográficas.

O cineasta instiga o espectador ao articular o trágico e o cômico de uma forma inesperada, criando uma obra repleta de realismo. Na trama, Natalia (Sheila Etxeberría) pede para o namorado (Nick Korbee) ser compreensivo, pois iria a um jantar de família de sua amiga Hannah (Melanie Scheiner), em que haveria um moço (Carl Kranz) apaixonado por ela. 


O pedido se mostra frustrado, pois resulta em uma briga com o namorados. Na cena seguinte, Natália surpreende a família de judeus ortodoxos ao chegar embriagada para o jantar. Por causar transtornos ao momento sagrado, Natalia é convidada a se retirar da confraternização. Ela peregrina pelas ruas de Nova York sem rumo até conhecer Mauri (Ed Ryan), que lhe oferece um abrigo quando está amanhecendo.
No decorrer do filme, há cenas engraçadas, principalmente pela estupidez como que os personagens lidam com seus problemas. Ninguém consegue resolver as questões mais simples de um conflito. Isso revela um pouco da subjetividade dos personagens, ligado a um senso comum de moralismo. Silver parece interessado em questionar essa moral com humor, mas sem esquecer que isso também pode ser trágico. 

sexta-feira, 3 de julho de 2015

Clássico de Rossellini foi destaque em mostra paralela do Olhar de Cinema

Cena de "Stromboli". Foto: Reprodução. 
Stromboli faz parte do movimento neorealismo italiano e discute o impacto da Segunda Guerra Mundial nos países europeus

Por Patrick Ribeiro


O filme "Stromboli" esteve entre os clássicos exibidos no 4°Olhar de Cinema. O título foi produzido em 1950 na Itália e teve direção de Roberto Rossellini, um dos mais influentes cineastas do neo-realismo italiano, movimento cultural que levava a realidade social e econômica da época no país para a ficção cinematográfica. 

Em "Stromboli" esses elementos políticos se evidenciam na vida de Karen (Ingrid Bergmam), que, assim como milhões de europeus, ainda sofre os efeitos da Segunda Guerra Mundial. Após se refugiar em vários países, ela acaba aprisionada pela policia italiana. Com visto negado para Argentina, onde parte de sua família estava, a jovem senhora casa-se com Antonio (Mario Vitale), um soldado italiano. 

Após o casamento, os dois vão para "Stromboli", uma ilha vulcânica no Mar Mediterrâneo e terra natal de Anotonio. No local, Karen se depara com a cultura dos habitantes, muito diferentes da sua. Para se habituar, enfrenta muitas dificuldades. 

Na trama, Rossellini busca mostrar os transtornos do choque cultural dos europeus com um conflito em escalas mundiais. Por essas e outras, "Stromboli" é, sem dúvidas, um filme inesquecível, que faz jus aos Olhares Clássicos do festival curitibano.