quinta-feira, 17 de julho de 2014

Paulo Biscaia: arquiteto na vida teatral e cinematográfica

 “Eu brinco que um diretor de teatro e de cinema é uma espécie de Deus, mas ele só não pode ficar achando que ele é Deus de verdade, senão, está lascado.”

Por Emily Kravetz
Foto: Marco Novack


Em uma época em que ainda não existiam muitos nerds de cinema dentro das salas de aulas do ensino fundamental, Paulo Biscaia Filho, ao contrário da maioria de seus amigos, não gostava de futebol. Preferia carregar nos braços o guia de cinema de Leslie Halliwell. No Natal de 1981, passava em frente do Cine Condor quando se deparou com o cartaz do filme “Caçadores da Arca Perdida”, dirigido por Steven Spielberg. A censura de 14 anos e o porteiro que fazia plantão em frente às salas de cinema impediam que o garoto mergulhasse no mundo cinematográfico.  

Devido à obra ter sido contemplada com quatro Oscars - melhor direção de arte, edição e mixagem de som e efeitos visuais - voltou a ser exibida no ano seguinte, no recém inaugurado Cine Bristol, localizado na Rua Mateus Leme, em Curitiba. O garoto de apenas 10 anos não pensou duas vezes e tentou novamente despistar “o fiscal do cinema”, até conseguir ver a obra que o deixou ainda mais apaixonado ao ponto de assisti-la outras 20 vezes. Só no cinema. Uma sequência do filme em que Spielberg dirigia Karen Allen em uma competição de bebida no Nepal o levou à seguinte conclusão: “É isso, é isso. Eu quero contar história através de atores e imagens”.

Piá de prédio com orgulho, Paulo adorava brincar na garagem e no corredor do apartamento em que morava. Sempre teve muitos brinquedos e dava atenção a cada um deles. Para o pânico de sua a mãe, Marise Cordeiro, adorava fazer a maior bagunça, montando cidades na sala. Tudo isso serviu de estímulo para a criatividade daquele que viria ser um arquiteto da vida teatral e cinematográfica. Quase reprovando na matéria de biologia, não largava os livros de cinema. “Por que que você está lendo estes livros? Você tem que é estudar os livros de biologia”, repreendia a mãe, inconformada com a atitude do filho. O pai de Biscaia era advogado e usava as horas vagas para escrever poemas. Talvez por causa disso, tenha compreendido tão bem o filho e o incentivado na carreira artística. 

Com aproximadamente oito anos, detestava ir ao teatro. A escola Anjo da Guarda onde estudava programou com a turma de ir assistir a “Pluft - O Fantasminha”, uma peça teatral infantil escrita pela dramaturga brasileira Maria Clara Machado em 1955. Para as várias crianças que estavam dentro daquele ônibus, aquele passeio era motivo de alegria, mas Paulo achava um tédio tão grande que preferiu ficar com alguns colegas jogando futebol, o que lhe rendeu uma bolada na cara, e definitivamente o fez odiar o esporte. Sua visão sobre a arte só começou a mudar com o grupo de teatro de bonecos “Sem modos”, exibido no Guairinha, a qual considerou sua primeira experiência boa. Mal sabia que no futuro próximo estaria à frente de uma companhia.

Após a primeira peça da Vigor Mortis, o ator Leandro Daniel Colombo falava com sobrancelha meio levantada querendo enganar Biscaia, que já estava desconfiado: “Paulo, o que você iria pensar de mim se eu te dissesse que ontem matei uma pessoa para experimentar como é que era?” O diretor não titubeou ao responder: “Dani, eu pensaria: que decepção! Eu achei que esta pessoa sabia discernir melhor as coisas. A segunda coisa que eu iria fazer é chamar a polícia”.

Durante a universidade, dedicava-se inteiramente aos estudos, recusando várias propostas de emprego fixo. Para se manter ativo na área, ensaiava as peças à noite. Apresentava religiosamente uma peça por ano. Por ser apaixonado por terror, engraçado que ele é apaixonado por terror e o que muda a sua vida é um filme de aventura bem tradicional.com umas pitadas de humor, muitas vezes, Biscaia ouvia das pessoas: “Ai que horror, eu tenho medo de você, porque você trabalha com essas coisas macabras”. Rapidamente, o diretor responde: “Eu é que tenho medo de você, que não bota isso para fora, deve estar tudo guardado aí dentro”. O cinema e o teatro foram a melhor forma que Biscaia encontrou para continuar brincando de Falcon - bonequinhos que colecionava em sua infância. “Só que agora os meus Falcons falam e reagem”.

Na época de vestibular, sem maturidade para escolher uma profissão, procurou o que tinha de mais próximo do cinema – o teatro – no recém montado curso profissionalizante do Teatro Guaíra em parceria com Pontifícia Universidade Católica. Paulo fez parte da terceira turma deste curso. Hugo Mengarelli, que tinha uma ligação muito forte com o cinema, lecionava aulas práticas para turma de Paulo, e foi ele quem o ajudou a fazer a ponte do cinema para o teatro. Por causa disso, Biscaia foi conhecendo as possibilidades que o teatro poderia oferecer. E depois não largou mais.

Se existe um desejo no coração e na mente de Paulo, é de ser lembrado pelo humor diante da morte. Na cena final de Ed Wood, de Tim Burton, o protagonista está vendo a estreia de seu filme “Plano 9 do Espaço Sideral” e diz para sua mulher: “Esse é o filme pelo qual serei lembrado”. Nada mais é do que uma sacanagem que o roteiro faz com o próprio personagem, pois no fim das contas, acaba não sendo lembrado exatamente por isso. Da mesma forma, Paulo diz: “se eu for lembrado pelo trabalho que eu fiz, e se isso for estimular alguém como eu fui com o filme o Caçador da Arca Perdida, já tá de bom tamanho”.


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