sexta-feira, 24 de julho de 2015

Frios debates de inverno



Cada obra de Aly Muritiba é como uma geada de julho em Curitiba. Elas te atingem sem aviso prévio, te fazendo parar tudo que está fazendo para observá-las e tentar absolvê-las sem tomar um choque de realidade no seu subconsciente.

Por Camile Kogus

Num primeiro momento, o Sénic azul escuro parece mais objeto para auxiliar nas gravações do longa “O Homem que Matou Minha Amada Morta” de mais uma produção do cineasta Aly Muritba. No entanto, poucos sabem que o automóvel simboliza, de modo subjetivo, a trajetória do profissional desde o início da sua carreira até aqui. O carro - que a princípio deveria ser preto para as gravações, mas sem outra alternativa foi usado mesmo sendo azul - demonstra as mudanças e adaptações que ocorreram na vida e carreira de Aly até ele alcançar o cargo de um dos nomes mais importantes do cinema curitibano. 

Nascido na cidade de Mairi, interior da Bahia, em 20 de fevereiro de 1979, o cineasta veio parar em Curitiba com a intenção de cursar Comunicação e Cultura pela UTFPR e Cinema e TV na Faculdade de Artes do Paraná. Desde o início de sua carreira, ele produziu dezenas de obras - entre elas curtas e longas, ficções e não ficções – que parecem se entrelaçar com os fases de questionamentos levantados por Aly.

Faça um teste de sensibilidade. Veja o curta “Convergências” (2008) e tente não se deixar levar pelos questionamentos internos do seu cérebro. O debate sobre o vazio existencial e a monotonia da vida cotidiana fica tão evidente nas cenas entre o casal que busca o prazer, mesmo que passageiro, que parece que estamos sentados junto a Aly em uma mesa do conhecido Bar do Alemão, filosofando sobre as dúvidas e crises que nos atingem e nos atordoam como as correntes de vento gélidas típicas do inverno curitibano. Caso isso não baste, te aconselho então a conferir apenas alguns minutos do curta Pátio (2013), e ver, através dos olhos de Muritiba, uma realidade que grande parte da população não conhece, e ter as mesma sensações que ele teve ao gravar a obra.

A vida do cineasta é marcada pelas mais diversas experiências, e como elas interferiram na sua carreira. Os sete anos que trabalhou como agente penitenciário lhe proporcionaram não apenas uma visão do sistema de “dentro para fora”, mas também uma vontade de revelar o outras produções não mostravam sobre o tema. Dessa quase uma década servindo ao Estado e a Justiça, nasceu a Trilogia Cárcere, a qual é composta pelos filmes “A Fábrica”, “Pátio” e “A gente”. A série revela três lados de uma questão que Aly conviveu por anos, o Sistema Carcerário Brasileiro. 

Na trajetória do cineasta, várias pessoas acompanharam e ajudaram nas produções. É o caso do produtor cinematográfico William Biagioli, que já esteve ao lado de Muritiba em dois longas, quatro curtas e quatro Festivais Olhar de Cinema, e que considera sua trajetória ao lado dele de valor inestimável “Não é só apenas uma questão de aprendizado, mas também de confiança que se estabeleceu mutuamente ao longo desses quatro anos. Eu era um profissional completamente diferente há quatro anos. Hoje, mais maduro, vejo que todas estas oportunidades me fizeram crescer como profissional e ser humano”. A última experiência, de certa forma “louca” de William junto a Aly foi o desafio de conseguir uma grua fora do orçamento do “O Homem que Matou Minha Amada Morta” e que era necessária para gravar um plano sequência. “Não só eu tive que conseguir convencer a locadora a emprestar a grua, como carreguei ela na van de equipamentos até o set e ficamos um dia inteiro ensaiando a cena que está no filme”.

Talvez seja por isso, essa mistura entre anseios e questionamentos pessoais com discussões universais, que há tantas semelhanças entre ver as obras de Aly, e tomar um café com o cineasta. Os debates levantados em ambos os casos, como já comparados nesses breve perfil, são fortes e nos atingem em cheio. E assim como o rigoroso inverno curitibano, por mais que você se prepare, afim de evitar o congelamento instantâneo, as dúvidas e questionamentos lhe atingem o subconsciente pelas brechas que os pensamentos do dia-a-dia deixam.

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