sexta-feira, 24 de julho de 2015

Onde tenha gente


Para Eduardo Baggio, cineasta, basta ter apenas uma pessoa para se ter um documentário. Da pelada à própria infância, por uma hora ou um minuto, o humano é história.

Por Natalia Bruckner
Existem três versões da etimologia da palavra “pelada” para designar o jogo de futebol amador repleto de frangos, furadas, bolas murchas e cheias. A primeira defende que a palavra “pelada” vem de pé, essencialmente do amadorismo do jogo juvenil, onde se mete os pés descalços na bola durante um jogo sem regras, sem uniforme ou sem árbitro. A segunda hipótese é que vem de “pelar’, pois antigamente as bolas utilizadas eram de borracha e causavam assaduras nos pés. A última possibilidade vem da condição dos campos onde se jogava, com pouca terra, quase pelados. É na pelada que todos se tornam iguais. Terno e gravata, calças jeans e chinelo, roupas sujas de tinta e cimento são trocadas pelo uniforme, ou coletes que classificam os jogadores pelos time. 

É no meio desse universo que Eduardo Baggio fez nascer em 2009 “Amadores do Futebol”. Era na frente do estádio Erondi Silvério, conhecido como “Vasquinho”, localizado no bairro do Pilarzinho em Curitiba, que Baggio percebeu o verdadeiro significado do futebol, não como um jogo, com sua arbitragem ou os polpudos investimentos que giram ao seu redor, mas pela capacidade de reunir pessoas de todos os tipos e classes em torno de uma causa que não é econômica, profissional ou religiosa.

Nunca havia visto Eduardo antes, a não ser por foto quando o adicionei no Facebook logo depois de marcar a entrevista, por telefone. Recebi a única informação sobre ele alguns dias antes enquanto conversava com Paulo Biscaia Filho, amigo e também cineasta. “São dois metros e sete de altura. Ele tem isso mesmo. Dois e sete. Mas é só tamanho. Ele é super zen”.

Cineasta e professor no cinema na Faculdade de Artes do Paraná, Eduardo Baggio sempre teve fama de tranquilo. Quando menino alternava as boas notas com as bagunças no fundão, lugar da sala onde pertencia. Ouvia bandas de metal no Hangar e frequentava o Korova. “Só briguei com a polícia do estado”, disse, referindo-se ao “Massacre do dia 29”, no qual vários professores foram cruelmente reprimidos durante uma manifestação que reivindicava ajuste salariais aos professores do estado, criticando a gestão de Beto Richa no governo do Paraná. A Avenida Cândido de Abreu, em frente ao Palácio do Governo, foi no dia 29 de abril de 2015 o palco da única briga na qual ele havia se envolvido na vida. 

A entrada dele no universo do cinema se deu tarde, quando estudou Jornalismo na Universidade Federal do Paraná entre os anos 1995 e 1999. Foi na faculdade, vendo o lado jornalístico do cinema através dos documentários, que se envolveu com a área e passou a realizar trabalhos experimentais. “Não sou aquele caso de pessoa que sabe o que fazer desde pequeno, desde os seis, sete anos. Tive que me enfiar para achar”.

Assim como a pelada une pessoas de diversas cores, credos e classes sociais em torno da bola, a arquitetura guarda a história e para as lembranças contidas em cada canto da cidade. “Arquitetura é a única forma de arte que você não pode negar mesmo que queira”. Ao parafrasear a frase de Décio Pignatari, de quem foi aluno, Eduardo consegue explicar que a arquitetura representa a necessidade básica humana exposta de todas as formas. “Não é preciso ir ao museu ou a uma galeria de arte para conhecer arquitetura. Ela está aí para você morar, se proteger do frio”. E assim, em 2010, surgiu “Traço Concreto”, um documentário que retrata as fases arquitetônicas de três casas em Curitiba. Falando de casas, Eduardo volta a sua fixação pela humanidade cotidiana ao retratar as casas como protagonistas que nascem, crescem e morrem. 

Entre as obras de Eduardo que Paulo Biscaia Filho mais admira, está “28 anos”, um curta com um minuto de duração produzido em 2003 para o Festival do Minuto. Uma relação em fotografias e diálogos entre pai e filho que mostra as tênues nuances de semelhanças e diferenças entre Eduardo e Joacir Baggio em várias fases das vidas dos meninos e homens. “Um trabalho que expõe o artista de uma forma singela. Bastante comprometimento despido de narcisismo”, segundo Paulo. O nome “28 Anos” vem da diferença de idade entre Eduardo e o pai. 

Nos levantamos do banco frio de concreto do Mon. Agora ele está de viagem em Lisboa, cidade que, pelo mar, pelas pessoas que moram nela e pela agitação cultural, ele disse ser uma de suas cidades favoritas.

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